"OS PRIMEIROS SOLDADOS" é o filme que eu
queria e precisava ter visto na minha adolescência, saindo do armário e
encontrando, ali nos anos 90, uma comunidade que apenas começava a se recuperar
do pior da devastação da epidemia da AIDS”, assim define o diretor e roteirista
Rodrigo Oliveira seu premiado longa que chega aos cinemas na próxima quinta (07)
em São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória, Curitiba, Salvador e Belo Horizonte.
Premiado na Alemanha, Índia, Festivais de Tiradentes e do Rio, o filme é
distribuído pela Olhar Distribuição.
O longa acompanha
membros da comunidade LGBTQIAP+ que buscam formas de resistir à epidemia de
AIDS. O filme se passa em Vitória, no Espírito Santo, no começo dos anos 1980,
e é uma homenagem à memória daqueles que enfrentaram a doença e seus estigmas
em seu princípio.
Na história, Suzano é
um estudante de biologia que acaba de voltar dos estudos no exterior. Ele sabe
que algo desconhecido está começando a afetar seu corpo. Ele quer entender
melhor a doença e buscar uma cura, ao mesmo tempo que tenta proteger sua irmã
Maura e seu sobrinho Muriel dos impactos do que está por vir. O desespero com a
falta de informações sobre o vírus e seu futuro incerto acabará por aproximar
Suzano da performer transexual Rose e do estudante de cinema Humberto, ambos
vivendo com o vírus.
Para realizar OS PRIMEIROS SOLDADOS,
Rodrigo fez longo processo de busca de arquivos sobre a situação do HIV/AIDS no
Espírito Santo e no Brasil ainda num período de desconhecimentos e ignorâncias
da primeira onda da epidemia, e também entrevistas com pessoas que estavam na
linha de frente dessa luta quando esta começou.
"Os filmes que
abordam o tema, neste período dos anos 80, em geral são sobre pessoas que
morrem de AIDS. Hoje nós falamos de pessoas que vivem com HIV porque é
possível, por meio dos tratamentos disponíveis, afastar esse fantasma da
mortalidade que tanto se associou ao vírus. Mas lá no começo da epidemia as
pessoas já viviam com HIV sim, mesmo que o fim estivesse no horizonte. A maior
descoberta do filme foi elogiar essa vida, a celebração possível para corpos
que estavam sim doentes, mas que insistiam em sonhar, em amar, em buscar uma
saída, precária que fosse."
O diretor destaca
também o trabalho de de um elenco LGBTQIAP+, que, seguindo o espírito do filme,
trabalhou em comunidade, e o resultado, para ele, “foi mágico.” "Cada um
contribuía com a sua vivência e o seu investimento pessoal específico para esse
caldeirão de identidades que convive nesta comunidade. O roteiro era uma
bússola bem completa do nosso destino, e por isso mesmo a preparação envolveu
muitos exercícios de improviso sobre cenas que não estavam no roteiro e que não
entrariam no filme. Era importante preencher a vida destes personagens de
maneira completa, de modo que, no set, atores e atrizes soubessem exatamente de
onde vinham e para onde seguiriam aqueles sentimentos e ações que estavam sendo
encenados."
Para se preparar, entre
outras coisas, Johnny Massaro, Clara Choveaux e Alex Bonini viveram como a
família de Suzano, Maura e Muriel por um tempo. "Johnny foi morar no sítio
onde seu personagem se isola, e lá recebeu Renata Carvalho e Vitor Camilo, que
fazem Rose e Humberto, exatamente como no filme, antes da equipe chegar. Johnny
perdeu peso, Renata perdeu peso, Vitor aprendeu a operar a câmera, tudo com
esse objetivo lindo de estarem habitados por dentro por estes personagens. Esta
entrega está impressa em cada fotograma do filme."
Ao reconstruir a
memória dos anos de 1980, explica Rodrigo, OS PRIMEIROS SOLDADOS dialoga com o Brasil
de 2022, no qual estigmas e da homofobia, transfobia e sorofobia são reinantes
ainda hoje. "Na boca do fascismo que assola o Brasil, é preciso devolver
esse tema para a sociedade, atualizá-lo, e enfrentá-lo, porque a AIDS é ainda
uma questão do presente. A cada 15 minutos, uma pessoa é infectada pelo vírus
no Brasil, e ainda morrem perto de 11 mil pessoas por ano no país por conta da
AIDS."
Rodrigo acredita que o
Brasil, mais do que nunca, quer olhar para seu passado, para que esse ilumine o
presente. "O velho adágio do país sem memória está caindo, porque a gente
está sentindo na pele o preço do esquecimento, o fascismo conta com a nossa
falta de memória, e eles não vão vencer. É impressionante o número de parentes,
amigos e vizinhos perdidos para a epidemia que são convocados à memória das
pessoas nos debates e nas saídas das sessões. Os personagens desse filme são os
fundadores da nossa identidade e o espectador reconhece ali uma árvore
genealógica que ficou por muito tempo esquecida."
"Não há saída fora
da criação de uma comunidade solidária real e verdadeiramente inclusiva, que
abrace as demandas de cada uma das letras representadas pelo LGBTQIAP+ e,
sobretudo, não existe caminho fora da política e do ativismo. O que Suzano,
Rose, Humberto e a comunidade que se forma em torno deles fazem é o esboço de
um movimento político em defesa da vida e da dignidade. Isso vale hoje mais do
que nunca," conclui.
OS PRIMEIROS SOLDADOS é uma produção da
Pique-Bandeira Filmes, com coprodução Canal Brasil, e seu roteiro original foi
baseado em uma longa pesquisa dos casos reais ocorridos na cidade de Vitória
que envolveu, além da leitura de jornais da época, entrevistas com
profissionais de saúde, familiares e membros da comunidade LGBTQIAP+.
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