Com distribuição da Embaúba Filmes, longa estrelado por Sinara Teles e Carlos Francisco chega aos cinemas em 11 de setembro.
Em SUÇUARANA, conforme narram a busca de Dora (Sinara Teles) pelo vale que dá nome ao filme, os diretores Clarissa Campolina e Sérgio Borges conduzem os espectadores por paisagens devastadas do estado de Minas Gerais – reflexo de um passado que prometeu progresso, mas que hoje deixa como herança ruínas e aridez. Esta realidade, que à primeira vista parece particular de uma região do país, é também cenário de outra crise bastante universal: a dificuldade de uma existência que abrace o coletivo.
A fagulha para um projeto tão atual e com tanta cara de Brasil partiu de uma obra literária estrangeira, publicada no início do século XX. A novela em questão foi “A Fera na Selva”, do celebrado escritor inglês Henry James.
“A primeira vez que tive vontade de fazer SUÇUARANA foi em 2012. Tinha lido ‘A Fera na Selva’, e o livro me tocou muito pela história de obsessão da personagem; pelo que era dito e também pelo que não era; e pelo entendimento do amor como uma força animal misteriosa, impossível de dominar ou nomear”, lembra a diretora Clarissa Campolina.
No livro, o protagonista John Marcher vive na expectativa de que algo inesperado lhe acontecerá e mudará sua vida por completo. Sem saber se o evento em questão será bom ou ruim, ele vive como se uma fera o acompanhasse a todo tempo, pronta para dar o bote. Essa ansiedade é seu grande segredo, o qual ele só teve coragem de dividir com uma pessoa: May Bartram, uma estranha que virá a se tornar sua confidente.
À primeira vista, não parece haver grandes paralelos entre filme e livro. Ainda que ambos façam menção a uma fera no seu título, SUÇUARANA não é uma adaptação direta do texto inglês, mas a obra de James foi uma importante fonte de inspiração. Por exemplo, o convite de Campolina para que Borges dirigisse o longa ao seu lado, partiu da relação entre as personagens da novela.
“Fiquei pensando que seria legal dirigir com outra pessoa, pela relação que existe no próprio livro – uma relação entre uma figura masculina e uma feminina que têm visões diferentes”, conta. “Quando o Serginho leu o livro, ele não se empolgou como eu. Acho que ele nem gostou! Mas disse que queria fazer o projeto. Uma resposta curiosa, mas achei que era um bom início processo. Criar um filme a partir de visões díspares sobre a mesma obra me pareceu um desafio interessante”, explica a diretora.
Fora motivar a colaboração, a obra também foi parâmetro para decisões criativas bastante intencionais em SUÇUARANA. “O livro tinha diálogos muito conscientes, que se utilizavam de uma fala antiga”, explica Borges. “Esse desejo de nos afastar do realismo reverberou no filme e nos levou à linguagem que estabelecemos entre Dora e as personagens que ela encontra ao longo da estrada. Não é uma fala naturalista. As conversas são quase histórias sendo contadas”, complementa.
Ao lado do também roteirista Rodrigo Oliveira, os cineastas foram dando corpo ao que seria sua versão da ansiedade de John Marcher, e, aos poucos, ficou claro que poderia ser interessante se aventurar por campos distintos aos de James. “Ao longo dessa pesquisa, a gente chegou em uma questão que permeia a obra de James, que foi escrita durante a crise do romantismo. Isso nos levou a questionar qual era a crise que estávamos vivendo e que nos interessava debruçar sobre”, diz Campolina.
“Começamos a pensar em uma imagem distópica, em um filme que acontecia em um mundo devastado. Acho que essas ideias surgiram como um sinal dos nossos tempos políticos, e nos levou a pensar que estávamos vivendo uma distopia no presente mesmo”, continua Borges. “Pensamos no cenário da mineração pela nossa proximidade com essa história. As ruínas estão presentes, mas são também um prenúncio do futuro que a gente estava vendo e vê ainda hoje”, explica.
SUÇUARANA, então, tomou forma como um road movie, que tensiona o colapso ambiental, o fracasso de um modelo econômico predatório e a já mencionada urgência de imaginar formas de vida que abracem o coletivo. Mas um mote de “A Fera da Selva” sobreviveu de alguma maneira, como explica Campolina:
“O que nos interessava era essa sensação de um presente sempre assombrado por algo que não se deixa nomear, e que, no entanto, marca todos os gestos. Em Dora, a personagem masculina [de James] se traduz em uma busca incessante por um lugar utópico. Diferente de Marcher, que permanece paralisado pela expectativa, Dora caminha, se move, mas carrega consigo a mesma inquietação, um desejo de tocar algo perdido. O que para James é uma ferida íntima e psicológica, em SUÇUARANA se desdobra no corpo da personagem e na paisagem que a cerca.”
Vencedor de cinco candangos no Festival de Brasília do ano passado, SUÇUARANA chega aos cinemas em 11 de setembro, com distribuição da Embaúba Filmes.
Sinopse
Dora passou os últimos anos percorrendo um território arruinado pela mineração, em busca de uma terra perdida sonhada por ela e por sua mãe. Carrega consigo uma foto antiga com o nome Suçuarana, única pista desse lugar mítico onde ela imagina que possa encontrar pertencimento. Guiada por um misterioso cachorro, encontra refúgio em uma vila de trabalhadores de uma fábrica abandonada, que vivem em coletividade. A cada novo encontro, seu destino parece sempre um pouco mais distante.
Ficha técnica
Brasil, cor, 85', ficção, 2024
DIREÇÃO: CLARISSA CAMPOLINA, SÉRGIO BORGES
ROTEIRO: CLARISSA CAMPOLINA, RODRIGO OLIVEIRA
ELENCO: SINARA TELES, CARLOS FRANCISCO, TONY STARK, GUARDA DE MOÇAMBIQUE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO E SANTA EFIGÊNIA DE OURO PRETO, HÉLIO RICARDO, ANDRÉIA QUARESMA, ELBA ROCHA, RAFAEL BOTERO, DOCY MOREIRA, KELLY CRIFER, AMORA FERREIRA GIORNI, LENINE MARTINS
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