O documentário MURIBECA,
de Alcione Ferreira e Camilo Soares, começa com uma citação do poeta
norte-americano T.S. Eliot: “Com tais fragmentos foi que escorei minhas
ruínas.” A partir daí, descortina a história de uma comunidade, a dos
moradores do Conjunto Habitacional Muribeca (Jaboatão dos Guararapes,
Pernambuco), que está com os dias contados, mas seus moradores
melancolicamente resistem. O filme tem produção da Senda, e chega aos cinemas
no dia 02 de março, com distribuição da Descoloniza Filmes. Tanto Ferreira quanto Soares conheceu o
Muribeca em momentos distintos, e a memória do local era latente para eles. “Um conjunto habitacional que cada
um de nós, por experiências distintas, já havia conhecido em tempos bem
diferentes dos que estavam sendo travados quando nos reencontramos. E foi a
partir das temáticas sobre cidades que nos movia enquanto produtores de
imagem e da iminente destruição de um lugar cuja trajetória era reconhecida
por sua vivacidade que nos colocamos para colaborar no sentido de reverberar
essa história.” Para a realização do documentário, contavam
com imagens de arquivo de Ozael Lopes, uma espécie de repórter da comunidade,
que filmou a comunidade incessantemente por décadas, e cujo material se
tornou importante para se olhar a comunidade de dentro. “Ele possui uma memória em vídeo
gigantesca do conjunto habitacional e vimos que seria importante aquele olhar
de dentro, com câmera na mão e muito zoom de uma Muribeca pujante e cheia de
vida, em contraste com o vazio e a frieza do cemitério de prédios que encontramos.
Ficamos muito gratos com sua generosidade de compartilhar essa incrível
memória.” MURIBECA conta também com depoimentos colhidos para o filme,
com moradores e moradoras, como o poeta Miró e o quadrinista Flavão, que
também trabalhou como produtor local no documentário. Quando começaram o
filme, os diretores também assistiram a algumas audiências que a
comunidade teve com o Ministério Público e conheceram outras personagens que
estavam ali, lutando e tentando viver em meio a tanta confusão e insegurança
jurídica, além das próprias pessoas que se aproximaram espontaneamente deles
interessadas em participar do filme. As entrevistas foram feitas em 2018, e
os diretores filmaram a comunidade algumas outras vezes, inclusive logo após
o resultado da ordem judicial que autorizou a demolição de todos os blocos do
conjunto habitacional. “Nas
conversas, foi essencial trabalhar de forma transparente com a comunidade,
mostrando nosso recorte e tipo de abordagem, que não era o mesmo de uma
reportagem e/ou notícia do jornalismo tradicional. Outro fator importante a
destacar é que a comunidade sempre se mostrou solícita e interessada em
falar, contar suas histórias e vivências, na maioria das vezes de uma forma
intensa, íntima, emocional, com muita disposição, amor e orgulho por
pertencer àquela coletividade, além do expressar cuidado e extrema luta por
sua permanência.” Fotógrafos por formação e experiência,
Ferreira e Soares apontam que o filme converge suas “afinidades eletivas nas artes
visuais, sobretudo em relação às narrativas ligadas às conexões subjetivas de
pertencimento no conceito de cidades e os processos de desumanização pelos
poderes instituídos em relação às pautas de pertencimento e afeto nas
relações de moradia.” MURIBECA mostra que aqueles prédios eram mais do que apenas uma
moradia para a comunidade, era um espaço construído de lutas, afetos, sonhos
e memórias que estava sendo cruelmente destruído. E, nesse sentido, o filme
se torna uma reconstrução afetiva daquele lugar e da luta dos moradores. “O cinema é um instrumento
importante para guardar a memória e a magia de nossos espaços.” Ao olhar para a história de uma comunidade,
MURIBECA
aponta para um fenômeno mundial de desconstrução de espaços impulsionado por
interesses econômicos à revelia da história e subjetividade dos que ali
vivem. O filme mostra que aqueles prédios eram mais do que apenas uma moradia
para a comunidade, era um espaço construído de lutas, afetos, sonhos e
memórias que estava sendo cruelmente destruído. E, nesse sentido, o filme se
torna uma reconstrução afetiva daquele lugar e da luta dos moradores. “O cinema é um instrumento importante
para guardar a memória e a magia de nossos espaços.” MURIBECA será lançado no Brasil pela Descoloniza Filmes. |
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