“O
Colar de Coralina” é um filme infantil inspirado no poema “O prato
azul-pombinho” da poetisa Cora Coralina e em diversos episódios de sua
infância. Ambientando no final do século XIX na cidade de Goiás Velho, antiga
capital do Estado, o longa narra o cruel costume de castigar crianças que
quebravam uma louça amarrando o caco da louça quebrada em seus pescoços
pequeninos.
Esse é o terceiro longa metragem de
Reginaldo Gontijo. No currículo ele tem os premiados “O Mar de Mário”(2010)
sobre Mário Peixoto, diretor de “Limite”(1931) e o longa “Eudoro e o logos
Heráclito” (2012) sobre o filósofo Eudoro de Souza. Gontijo, que também é
poeta, é profundo admirador da obra de Cora Coralina “Amo a poesia de Cora,
seus versos rudes, diretos, desconcertantes até, mais de uma força assustadora,
cheios de vida, com cheiro de terra e doces de goiaba num tacho de cobre de
fogão de lenha. Cora foi uma mulher impressionante. Determinada, saiu de casa
muito jovem, com um homem que já era casado. Assumiu sua filha e teve mais
5 filhos. Criou todos, passou por Minas Gerais, São Paulo e depois da morte do
marido, voltou à velha casa da ponte de sua infância, na cidadezinha de Goiás.
Recomeçou a vida e só tornou-se publicamente conhecida aos 70 anos de idade.
Sua poesia é uma ode de amor, à vida e principalmente às mulheres ‘do povo,
lavadeiras, trabalhadoras, bem linguarudas e parideiras’ como dizia em seus
versos”, explica o diretor.
O projeto nasceu quando Gontijo
conheceu a obra de Cora e leu pela primeira vez o poema O Prato Azul-Pombinho. “O
poema é quase um roteiro. Ele conta a história de um prato da família que um
dia aparece quebrado. Cora leva a culpa e tem que usar um caco do prato
quebrado amarrado num cordão como castigo, por isso o Colar de Coralina”,
complementa o diretor.
Além de Letícia Sabatella, o elenco
conta com atores mirins selecionados nas oficinas realizadas em Brasília pela
produtora Digitalina, que também assina a produção do longa. Ao todo foram dois
meses de filmagens divididas entre a cidade de Brasília e a cidade de Goiás
Velho, com gravações na casa onde Cora morou e que hoje funciona como um museu.
O
poema
“O
prato azul-pombinho”
Minha
bisavó - que Deus a tenha em glória -
sempre
contava e recontava
em
sentidas recordações
de
outros tempos
a
estória de saudade
daquele
prato azul-pombinho.
Era
uma estória minuciosa.
Comprida,
detalhada.
Sentimental.
Puxada
em suspiros saudosistas
e
ais presentes.
E
terminava, invariavelmente,
depois
do caso esmiuçado:
“-
Nem gosto de lembrar disso...”
É
que a estória se prendia
aos
tempos idos em que vivia
minha
bisavó
que
fizera deles seu presente e seu futuro.
Voltando
ao prato azul-pombinho
que
conheci quando menina
e
que deixou em mim
lembrança
imperecível.
Era
um prato sozinho,
último
remanescente, sobrevivente,
sobra
mesmo, de uma coleção,
de
um aparelho antigo
de
92 peças.
Isto
contava com emoção, minha bisavó,
que
Deus haja.
Era
um prato original,
muito
grande, fora de tamanho,
um
tanto oval.
Prato
de centro, de antigas mesas senhoriais
de
família numerosa.
De
fastos de casamento e dias de batizado.
Pesado.
Com duas asas por onde segurar.
Prato
de bom-bocado e de mães-bentas.
De
fios-de-ovos.
De
receita dobrada
de
grandes pudins,
recendendo
a cravo,
nadando
em calda.
Era,
na verdade, um enlevo.
Tinha
seus desenhos
em
miniaturas delicadas.
Todo
azul-forte,
em
fundo claro
num
meio-relevo.
Galhadas
de árvores e flores,
estilizadas.
Um
templo enfeitado de lanternas.
Figuras
rotundas de entremez.
Uma
ilha. Um quiosque rendilhado.
Um
braço de mar.
Um
pagode e um palácio chinês.
Uma
ponte.
Um
barco com sua coberta de seda.
Pombos
sobrevoando.
Minha
bisavó
traduzia
com sentimento sem igual,
a
lenda oriental
estampada
no fundo daquele prato.
Eu
era toda ouvidos.
Ouvia
com os olhos, com o nariz, com a boca,
com
todos os sentidos,
aquela
estória da Princesinha Lui,
lá
da China - muito longe de Goiás -
que
tinha fugido do palácio, um dia,
com
um plebeu do seu agrado
e
se refugiado num quiosque muito lindo
com
aquele a quem queria,
enquanto
o velho mandarim - seu pai -
concertava,
com outro mandarim de nobre casta,
detalhes
complicados e cerimoniosos
do
seu casamento com um príncipe todo-poderoso,
chamado
Li.
Então,
o velho mandarim,
que
aparecia também no prato,
de
rabicho e de quimono,
com
gestos de espavento e cercado de aparato,
decretou
que os criados do palácio
incendiassem
o quiosque
onde
se encontravam os fugitivos namorados.
E
lá estavam no fundo do prato,
-
oh, encanto da minha meninice! -
pintadinhos
de azul,
uns
atrás dos outros - atravessando a ponte,
com
seus chapeuzinhos de bateia
e
suas japoninhas largas,
cinco
miniaturas de chinês.
Cada
qual com sua tocha acesa
-
na pintura -
para
pôr fogo no quiosque
-
da pintura.
Mas
ao largo do mar alto
balouçava
um barco altivo
com
sua coberta de prata,
levando
longe o casal fugitivo
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