Estabelecendo um diálogo entre cinema e teatro, André
Guerreiro Lopes apresentará seu mais novo longa O MEL É MAIS DOCE QUE O SANGUE
na mostra competitiva do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba,
que acontece entre 14 e 22 de junho. O filme é uma produção do Estúdio
Lusco-Fusco.
“É uma satisfação imensa lançar o filme no
Olhar de Cinema, por tudo o que o festival representa. É uma das principais
plataformas do cinema autoral e experimental no país, com uma curadoria de
altíssimo nível. Um festival se faz não só dos filmes que exibe, mas sobretudo
da relação entre eles, da multiplicidade de propostas estéticas e temáticas, e,
nesse sentido, o Olhar de Cinema consegue ser, ao mesmo tempo, coeso e
polifônico, um panorama que é diverso, porém unido pela inventividade e paixão
pelo cinema.”
Helena Ignez interpreta uma andarilha nas
ruas de São Paulo, carregando consigo uma caixa de imagens, para a qual as
pessoas são convidadas a olhar. Dentro do objeto, encontram cenas de espanto e
assombros, até que o real e o poético se confundem e explicitam elementos da
mais profunda realidade brasileira.
Lopes, que assina o roteiro com Antônio
Arruda, conta que a inspiração para o filme partiu das obras do poeta espanhol
Federico García Lorca, pelo qual é apaixonado desde os 20 anos de idade. “Embaralhar a poesia do Lorca com as
ruas de São Paulo, a vida do Lorca com nossa realidade social e política, com
nossa memória, com nosso passado e presente de repressão, e ver o que sairia
desse encontro, dessa colisão. A poesia de Lorca é múltipla e o filme reflete
isso. É simbólica, é biográfica, é política, com todas essas forças coexistindo
deliciosamente no mesmo poema.”
Ícone do cinema brasileiro, Helena Ignez anda
pelas ruas da cidade, carregando a caixa de imagens e, no rosto, a maquiagem
que remete aos povos originários. “Eu
queria a figura da Helena por tudo o que ela representa, sua força,
inteligência, sua atuação que trafega livremente entre a interiorização e a
performance, a fisicalidade. As cenas eram pré-definidas, conversávamos sobre o
que deveria acontecer, mas sempre com o espaço de Helena transmutar, interagir
de forma viva com o espaço da cidade, com as pessoas.”
Um dos elementos de O MEL É MAIS DOCE QUE O SANGUE
é a relação entre o concreto da selva de pedra e a natureza. E o diretor conta
que, mais do que expor um contraste, queria explicitar uma contradição. “São Paulo está no coração da Mata
Atlântica, que se manifesta a todo momento. Nós é que somos mais rápidos,
cortamos, soterramos, canalizamos rios. Mas é só dar um pouco de espaço que a
mata se manifesta com todo vigor. Em cada fresta de concreto nas pontes, uma
planta brota, nos dizendo ‘estou aqui, esta terra é minha’. Portanto, eu quis
juntar tudo isso no filme, o concreto, os rios subterrâneos, as belíssimas e
gigantes arvores centenárias do centro, a natureza controlada e asséptica da
Faria Lima, além dos locais em que a mata existe em toda sua exuberância, como
no Jaraguá, sob proteção das aldeias indígenas.”
Os povos originários, aliás, também ocupam um
lugar importante no longa, que, novamente, destaca a partir deles a presença de
Lorca, que sempre foi muito próximo dos excluídos, mesmo nascendo em uma
família abastada. “No
filme, busquei transposições desse olhar para as ruas de São Paulo e seus
personagens do centro antigo, em um grupo musical de jovens na Brasilândia na
periferia da cidade etc. E na própria figura da Helena, uma andarilha, um
‘mascate de metáforas’, levando seus poemas visuais para as pessoas. Helena
trouxe a ideia de uma maquiagem que ecoasse a luta dos povos originários, ela
inicia o filme se maquiando, preparando-se para a jornada urbana que está por
vir.”
André também conta que, em uma filmagem no
centro de São Paulo, houve uma aproximação espontânea de um indígena Guarani,
que observou a equipe e pediu para participar. “Fez uma performance linda com Helena, cantando um
Borai, cântico guarani. Essa experiência incrível me levou depois a aprofundar
esse encontro, fui às aldeias guarani do Jaraguá, que vivem uma história de
resistência e celebração da vida e da natureza, na região do maior marco visual
natural da cidade, o pico do Jaraguá.”
A primeira parte de O MEL É MAIS DOCE QUE O SANGUE
foi rodada durante a pandemia e Lopes conta que fez questão de deixar claro no
filme. Por isso, é possível ver as ruas quase vazias, as pessoas todas usando
máscara. “O tempo todo o
filme faz uma relação, ou uma fusão, entre o real, a vida como se apresenta
hoje, e o poético, os mundos inventados. Essa é uma característica dos poemas
do Lorca, fala da realidade sem ser jornalístico, é poético sem ser etéreo, foi
nisso que me inspirei.”
Sinopse
Evocando o poeta Federico Garcia Lorca, uma
andarilha cruza a labiríntica cidade de São Paulo. Como uma "mascate de
metáforas", convida transeuntes a espreitar dentro de sua caixa de
imagens, onde cenas de espanto e assombro são reveladas. O interior e o
exterior da caixa começam a se fundir, o real e o poético se embaralham,
trazendo à tona contradições brasileiras profundas.
Ficha Técnica
Direção: André Guerreiro Lopes
Roteiro:
André Guerreiro Lopes, Antônio Arruda
Colaboração de Roteiro:
Marcos Arzua Barbosa
Elenco: Helena
Ignez, Djin Sganzerla, Michele Matalon, Samuel Kavalerski, Daniel Wera, Pedro
Macena, Rodrigo Castelo Branco, Grupo Embatucadores
Duração:
70 minutos
País: Brasil
Ano: 2023
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