Destaque na Quinzena dos Realizadores de Cannes, e no Festival
Internacional de Cinema de Toronto, MEDUSA,
de Anita Rocha da Silveira, chega aos cinemas no dia 16 de março. Desde sua
primeira exibição, o longa fez uma trajetória de sucesso, recebendo prêmios em
festivais como Sitges Film Festival (Melhor Direção), Tromsø Int. Film Festival
(Melhor Filme), IndieLisboa (Prêmio Especial do Júri), Raindance Film Festival
(Melhor Filme Internacional), Palm Springs Int. Film Festival (Menção Honrosa).
No Brasil, o filme foi o grande vencedor da
Première Brasil do Festival do Rio, com os prêmios de Melhor Filme, além de ter
recebido os prêmios de melhor direção e melhor atriz coadjuvante para Lara
Tremouroux.
Anita, que também assina o roteiro, explica
que o filme partiu de sua própria observação da sociedade brasileira dos
últimos anos, que voltou a defender um modelo de mulher “bela, recatada e do
lar”. Além disso, uma série de notícias de jornais de 2015 sobre ataques contra
jovens consideradas “promíscuas” por agressoras também mulheres chamou a
atenção da cineasta.
“Às vezes, o cabelo era cortado e cortes
feitos na face, pois era essencial deixar essa mulher ‘feia’. Os motivos
declarados para tamanha violência variavam entre a vítima ser considerada
‘bonita demais’, ter ‘dado em cima’ do namorado de uma das agressoras, ‘se
exibir’ com roupas provocativas, ter likes
de muitos rapazes em fotos no Instagram e ser tida como ‘fácil’ e ‘piranha’ -
tudo isso em um mundo onde as redes sociais se tornaram a principal ferramenta
de vigilância.”
Essas notícias, levaram Anita a recordar
imediatamente do mito de Medusa: “Na versão mais conhecida do mito, Medusa era
uma das mais lindas donzelas existentes, sacerdotisa do templo de Atena. Mas um
dia ela cedeu às investidas de Poseidon, enfurecendo Atena, a deusa virgem, que
transformou seu belo cabelo em serpentes, e deixou seu rosto tão horrível que
uma mera visão transformaria os que a olhassem em pedra. Medusa foi punida por
sua sexualidade, por desejar, por não ser ‘pura’. Da junção entre mito e
realidade me ocorreu que mesmo com o passar dos séculos, faz parte da
construção da nossa civilização as mulheres quererem controlar umas às outras.
E que talvez essa seja uma forma de mantermos o controle de nós mesmas. Afinal,
crescemos com medo de ceder aos nossos impulsos, e até de sermos consideradas
‘histéricas’. O controle também passa pela aparência, pela beleza, pois está
impregnada em nós a ideia de que este é o nosso principal atributo. Fazemos
dietas para chegar ao peso ‘padrão’ e passamos por procedimentos estéticos
dolorosos na esperança de sermos jovens para sempre.”
É também um mundo onde, como diz uma
personagem, “aparência é tudo”. “Porém, ao meu ver, o culto ao corpo e a um
determinado padrão estético diz respeito, antes de mais nada, a uma forma de
controle. Já que é exigido desses jovens controlar seus desejos, o exercício do
controle começa pelos seus próprios corpos e perpassa para os corpos alheios.”
A protagonista do filme é Mariana (Mari
Oliveira), uma bela jovem que, ao lado de suas amigas, se esforça para não cair
em tentação, formando um grupo chamado de Preciosas do Altar. Em uma tentativa
de se manterem fiéis aos princípios da Igreja, elas vigiam e controlam suas
próprias vidas e corpos, como também das mulheres que as cercam.
Anita já havia trabalhado com Mari em seu
primeiro longa, “Mate-me Por Favor”, e escreveu a personagem especialmente para
a atriz. Para a construção do elenco, foram testados mais de 200 jovens, entre
atores e atrizes. “Alguns já contavam com experiências profissionais na
televisão e cinema, como a Lara Tremouroux, o Felipe Frazão e o João Oliveira;
mas a maior parte do elenco jovem vem de formações diversas em escolas de
teatro, e estreia nas telas em MEDUSA.
Além disso, tivemos a honra de contar com nomes consagrados no elenco, como
Thiago Fragoso e Joana Medeiros, e com as participações super especiais de
Bruna Linzmeyer e Inez Viana.”
Classificado pelo site Colider como um dos
melhores filmes de terror de 2022, MEDUSA começou a ser
pensado em 2015, e foi filmado antes da pandemia, em novembro de 2019, mas
reflete muito sobre o Brasil dos últimos anos. “O Brasil é um país cuja
história é marcada pelo fanatismo religioso. Com a chegada dos portugueses e em
sequencia dos jesuítas, um genocídio foi feito em nome de um deus cristão.
Quando comecei a desenvolver o filme em 2015, algo que percebi é que meu
interesse principal era falar do avanço do fascismo, da extrema-direita e do
conservadorismo - que no Brasil, devido a nossa história, está ligado à
religião.
MEDUSA foi também um exercício de pesquisar e
entender o outro: quem é a jovem brasileira de extrema-direita, que já nasce em
um ambiente ultraconservador? O que a move, quais são os seus medos? Mas, acima
de tudo, MEDUSA
foi para mim uma espécie de catarse, um modo de lidar com uma série de notícias
cada vez piores e com o avanço da extrema-direita. Por isso que foi de extrema
importância dar uma forma ficcional a todas essas inspirações reais, com espaço
para o fantástico e o humor. Depois de anos tão difíceis, eu não queria que
fosse pesado para a plateia brasileira assistir o filme, então por isso
caprichamos numa estética que nos transporta para um universo paralelo, e mesmo
sendo um filme cujo principal gênero é o horror, acredito que os elementos de
comédia e musical que trouxe para a narrativa ajudam a tornar o filme um pouco
mais leve.”
Anita acredita que, agora em 2023, o filme
será visto ainda com mais leveza, e as partes de humor e fantasia terão mais
evidência. “Além disso, é um filme que, antes de mais nada, parte de um mito de
mais de dois mil anos, então muitas de suas questões são universais e perpassam
gerações – em especial para as mulheres.”
O filme também conta com uma marcante trilha
sonora da qual se destaca a inédita “Jesus é Meu Amor”, uma versão da música
pop brasileira Sonho de
Amor. “A Igreja de MEDUSA
é pop, quer atrair fiéis, então nada como uma trilha sonora cativante. A
escolha dos fonogramas passou muito pelo meu gosto pessoal, e por músicas que
através de suas letras e ritmos ajudavam a transmitir as sensações das cenas do
filme, como Cities In Dust (Siouxsie
& The Banshees), Uma
Noite e 1/2 (Renato Rocketh), na voz de Marina Lima, e Baby It’s You, que ganhou
uma nova versão para o filme, na voz de Nath Rodrigues e produzida por Rafael
Fantini. Já as músicas incidentais foram compostas por Bernardo Uzeda, e
tiveram como influência John Carpenter, Tangerine Dream e Goblin.”
Em suas exibições, o longa recebeu diversos
elogios. Marya E. Gates, por exemplo, que escreve para o site RogerEbert
pontuou: “Com
interpretações poderosas de suas duas protagonistas, e um visual arrebatador do
diretor de fotografia João Atala, MEDUSA observa o mundo hipócrita e violento
da cultura da pureza com uma honestidade inabalável”. Já Beatriz
Loyaza diz, no The New York Times, que o filme “é um estudo de personagem bastante direto, lidando com
questões como a epidemia dos padrões de beleza no ocidente e as dificuldades de
se abandonar uma relação abusiva.”
Nicole Veneto, em The Arts Fuse, declara que
“Com MEDUSA, Anita Rocha da Silveira encontra um
lugar distinto para si no panteão de aclamados cineastas feministas
internacionais como Lucrecia Martel, Claire Denis e Agnieszka Smoczyńska,
moldando formas e tropas num tratado de uivo sobre o regresso da repressão
feminina. Se nós mulheres somos verdadeiramente algo monstruoso, então Deus
ajude aqueles que procuram destruir-nos.” E Michael Talbot-Haynes,
em FilmThreat, define MEDUSA
como “uma obra de arte
eletrizante”.
Com produção da Bananeira Filmes, de Vania
Catani, e da MyMama Entertainment, de Mayra Faour Auad, MEDUSA é
uma distribuição da Vitrine Filmes, por meio do projeto Sessão Vitrine,
contemplado pelo PROAC 34/2022, programa de fomento do Governo do Estado de São
Paulo e Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo.
Sinopse
A jovem Mariana pertence a um mundo onde deve
manter a aparência de ser uma mulher perfeita. Para não cair em tentação, ela e
suas amigas se esforçam ao máximo para controlar tudo e todas à sua volta. Ao
cair da noite, elas formam uma gangue e, escondidas atrás de máscaras, caçam e
punem aquelas que se desviaram do caminho correto. Porém, dentro do grupo, a
vontade de gritar fica a cada dia mais forte.
Ficha Técnica
Direção e Roteiro: Anita Rocha da Silveira
Elenco:
Mari Oliveira, Lara Tremouroux, Joana Medeiros, Felipe Frazão, Bruna G, Carol
Romano, João Oliveira, Bruna Linzmeyer, Thiago Fragoso, Inez Viana.
País:
Brasil
Ano:
2021
Duração:
127 min.
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