Analisar
a sociedade por meio do viés da representação feminina na história é um
exercício interessante, pois se descortina uma série de modelos hegemônicos
patriarcais e machistas ainda vigentes.
A
humanidade possui uma dívida histórica com o gênero feminino e necessita de um
esforço coletivo para mudar esse panorama, que vai além de trocar os
protagonistas dos comerciais da bebida fermentada por cereais.
Seguindo
o mesmo caminho de outros segmentos sociais, a representação da mulher nas
artes não escapa ao modelo citado anteriormente. Nas artes visuais, estuda-se a
produção artística pautada em nomes masculinos, raras as vezes que se trabalham
nomes femininos do período clássico, por exemplo, denotando maior aparição a
partir dos movimentos modernistas — contudo, muito
aquém perante a participação masculina no mesmo segmento. Se analisarmos então
a participação da mulher negra na arte, tocamos em outra ferida social que a
humanidade dificilmente vai estancar.
Nas
produções cinematográficas, a mulher foi e ainda é retratada pelo olhar
masculino, que a representa como um apêndice de personagens homens, fadadas a
forte erotização e exploração de atividades ditas como femininas. Basta
verificarmos que até meados do século XX, a mulher desempenha no cinema apenas
as funções de dona de casa, esposa, mãe, amante, além de ter sua representação
fragilizada por enfatizar apenas seu perfil sensível.
Graças
ao movimento feminista que surgiu na década de 60, questões levantadas desde os
finais da década de 20 vieram à tona e começaram a expandir e, principalmente,
questionar o lugar da mulher na sociedade em seus diversos âmbitos.
Partindo
da premissa de que o cinema hollywoodiano influencia de modo substancial as
representações sociais, percebe-se que a visão da mulher foi explorada dentro
de um imaginário social que, muitas vezes, está tão familiarizada, que o
público mal consegue perceber-se em modelos representacionais masculinos de
visualidade. Segundo Laura Mulvey, teórica feminista britânica, a mulher é vista
como um objeto de uma ordem “falocêntrica que é tida como um ser que tem a
capacidade de manipulação através do visual e da sexualidade”. (MULVEY, 2008.)
Partindo
da herança de Theda Bara (primeira “mulher fatal” representada ainda no cinema
mudo) e de Marilyn Monroe (considerada um ótimo exemplo desse papel sexual da
mulher no cinema), mostra-se a satisfação visual cinematográfica pautada nos
olhos masculinos, focando em produções que exaltam os dramas e a visualidade do
corpo com o intuito de prender o olhar do expectador, que se reconhece também
nas telas — ou seja, uma retroalimentação da
representação da realidade.
Mais
recentemente, no fim dos anos 90, a figura feminina foi enfatizada por meio de
personagens “efervescentes e rasas” que coexistiam para deliberar a imaginação
dos escritores e diretores mais sensíveis que visam salvar os homens
problemáticos e depressivos para encontrar um novo sentido da vida. Ou seja, a
personagem não possui sua própria história, pois é construída apenas para desenvolvimento
pessoal do personagem principal.
Saindo
do campo das personagens e partindo para as produções cinematográficas, o
protagonismo feminino fica aquém de qualquer possibilidade de igualdade de
direitos.
Nomes
como Alice Guy, em “La Fée Aux Choux”, de 1896 (pioneira no uso da cor, sons e
efeitos especiais no cinema), Cléo de Verberena, em “O mistério do dominó
preto”, de 1931 (primeira autora de um filme dirigido por uma mulher no Brasil)
e Gilda Abreu (roteirista e diretora de um dos maiores sucessos de bilheteria
do cinema nacional de todos os tempos, “O ébrio”, de 1946). (LUSVARGHI,
2019) soam como exemplos minoritários em pleno século 21.
Em
se tratando de reconhecimento pela academia, a distância entre indicações
femininas e masculinas ao prêmio mais importante do Oscar americano é abismal.
Em 91 edições do prêmio, as mulheres receberam apenas cinco indicações, tendo
ganhado somente em 2010, com Kathryn Bigelow por “Guerra
ao Terror”, que recebeu também o prêmio “Melhor Filme” — deixando “Avatar” para
trás naquele ano.
Obras
como “Women and Film:Both Sides of the Camera” de 1983, de E. Ann Kaplan, assim
como “Mulheres atrás das câmeras”, de Luiza Lusvarghi e Camila Vieira da Siva
de 2019, procuram destacar a necessidade de se refletir sobre o protagonismo
feminino diante e atrás das câmeras. Contudo, ainda temos um longo
caminho pela frente.
Autora: Regiane Moreira é
professora da Escola Superior de Educação do Centro Universitário Internacional
Uninter.
Nenhum comentário:
Postar um comentário