‘YÕG ÃTAK: MEU PAI, KAIOWÁ’ Ganha Sessões de Pré-Estreia a Partir Desta Quinta-Feira em São Paulo


O longa lança luz sobre a violência do Estado contra os povos indígenas naquele período, capítulo da ditadura pouco retratado no cinema até então. “São memórias que o cinema nos dá uma chance de revisitar e que podem assim ser jogadas na cara do povo brasileiro de uma certa forma”, afirma o etnólogo e cineasta Roberto Romero em entrevista à Agência Brasil.

No início dos anos 1960, Luiz Kaiowá, indígena guarani kaiowá, deixou o território tradicional de Ka'aguyrusu, em Mato Grosso do Sul, em uma longa caminhada com outros parentes. 

Após passarem por São Paulo e Rio de Janeiro, foram levados à força até Minas Gerais por agentes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Luiz viveu mais de 15 anos entre os Tikmũ’ũn (Maxakali), onde teve duas filhas: Maiza e Sueli. Quando Sueli tinha apenas dois meses de idade, Luiz foi reconduzido ao Mato Grosso do Sul e nunca mais voltou. 

Décadas depois, graças a encontros políticos e à chegada da internet nas aldeias, Sueli localizou o pai com ajuda de duas primas, e logo depois iniciou, com apoio de aliados, a construção do filme como forma de concretizar esse reencontro.

Uma série de mensagens, telefonemas e vídeos trocados entre os protagonistas antecederam a produção. Em fevereiro de 2019, Luiz Kaiowá foi surpreendido com uma vídeo-carta de suas filhas maxakali. Só três anos depois, em 2022, é que uma delegação maxakali pode percorrer os mais de 1800 km de distância que separam a Aldeia-Escola-Floresta, em Minas Gerais, das Terras Indígenas (TIs) Panambi-Lagoa Rica, Panambizinho e Laranjeira Ñanderu, em Mato Grosso do Sul, para descobrir o paradeiro de Luiz – hoje, um dos mais importantes xamãs de seu povo.

“Foi muito emocionante, eu chorei muito. Eu queria mostrar a verdade”, conta Sueli em entrevista ao portal Feito por Elas. Com produção coletiva e imersão nas realidades de dois povos indígenas, o filme registra os preparativos na Aldeia-Escola-Floresta, onde vive Sueli, e nas aldeias guarani kaiowá, onde vivem Luiz e alguns de seus parentes. “Não é só um filme. São nossos encantados, nossos rituais, que dão a força para chegar até aqui”, resume Sueli.

“O filme se contenta com as versões, que são muito mais ricas do que qualquer tentativa frustrada de reconstituir os fatos”, comenta a diretora Luisa Lanna. “O espectador aprende a ver o filme enquanto assiste - um aprendizado que se dá pela escuta, pela duração dos planos, pelas formas de elaboração da palavra”.

Falado nas línguas maxakali, guarani kaiowá e português, o longa é atravessado pelos cantos tradicionais destes povos, enfocando também as lutas enfrentadas por eles em defesa de seus territórios e de seus modos de vida. As pesquisas e as filmagens também ocorreram nos territórios dos dois povos, contando com a participação de outros cineastas indígenas além da dupla Sueli e Isael – como Alexandre Maxakali, que atuou na fotografia do filme, e as realizadoras Michele Kaiowá e Daniela Kaiowá, responsáveis pela direção assistente e fotografia junto ao seu povo.

Comemorado em festivais e pela crítica, YÕG ÃTAK: MEU PAI, KAIOWÁ tem se destacado como um expoente do cinema indígena contemporâneo. No 57º Festival de Cinema de Brasília, onde fez sua estreia em novembro de 2024, o longa levou o prêmio de melhor direção; já na 14ª Mostra Ecofalante de Cinema Socioambiental, em junho de 2025, recebeu menção honrosa do júri na categoria longa-metragem. Ele também foi exibido na Mostra de Cinema de Tiradentes e no X Festival de Documentários de Cachoeira. Em sua resenha sobre o filme, o Coletivo Crítico destaca a delicadeza e a originalidade formal do longa: “A imagem é crua, precária, mas transborda afeto e um caráter enigmático que cativa e é ímã ao espectador. Um porta-retrato se constrói diante dos nossos olhos para representar toda uma história familiar”. Já o Papo de Cinema afirma que o filme “marca uma tendência positiva do cinema brasileiro recente: histórias de alto valor para os povos indígenas contadas por eles mesmos, em parceria com realizadores sensíveis ao seu tempo, espaço e ritmo”.
  

Sinopse: 
YÕG ÃTAK: MEU PAI, KAIOWÁ conta a busca de Sueli Maxakali e Maísa Maxakali pelo pai, Luis Kaiowá, de quem foram separadas durante a ditadura militar no Brasil. O filme acompanha a jornada da cineasta para reencontrar o pai, bem como as lutas enfrentadas pelos povos indígenas Tikmũ’ũn e Kaiowá em defesa de seus territórios e modos de vida.

Ficha Técnica
YÕG ÃTAK: MEU PAI, KAIOWÁ
(2024 | Brasil | 94 min | Documentário)
Direção: Sueli Maxakali, Isael Maxakali, Roberto Romero, Luisa Lanna
Direção assistente: Daniela Kaiowá, Michele Kaiowá
Roteiro: Sueli Maxakali, Roberto Romero, Tatiane Klein e Luisa Lanna.
Produção: Escola Aldeia Floresta, Batráquia Filmes, Filmes de Quintal, Javali do Mar
Direção de fotografia: Bené Machado, Sueli Maxakali, Michele Kaiowá, Daniela Kaiowá e Alexandre Maxakali
Som direto: Bruno Vasconcelos, Maru e Vitor Zan
Montagem: Luisa Lanna
Tradução: Alexandre Maxakali, Roberto Romero, Tatiane Klein, Michele Kaiowá e Daniela Kaiowá
Distribuição: Embaúba Filmes
Estreia nos cinemas: 10 de julho de 2025
País: Brasil
Idioma: Maxakali, Kaiowá, Português (com legendas)
Classificação: não recomendada para menores de 12 anos

Elenco: LUIZ KAIOWÁ, JAIRO BARBOSA, MICHELE KAIOWÁ, QUENIO VERGA CONCIANZA, GERMANO LIMA ALZIRO, JURACI MAXAKALI, DELCIDA MAXAKALI, CASSIEL MAXAKALI, CLARA BARBOSA DE ALMEIDA, EMILIANA BARBOSA, OLÍMPIO ALMEIDA, CLAUDILENE JORGE ALMEIDA, HILDA BARBOSA DE ALMEIDA, RICARDO JORGE, NEUSA CONCIANZA JORGE (IN MEMORIAM), EZEQUIEL JOÃO, ADELAIDE JORGE (IN MEMORIAM), DETINHA MAXAKALI, RUAN MAXAKALI, NICOLE MAXAKALI, ISAIANA MAXAKALI, ARLANE JORGE JOÃO, GISLAINE PEDRO FERREIRA, DANIELA KAIOWÁ, SUELI MAXAKALI, ISAEL MAXAKALI, MAÍSA MAXAKALI.

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